Autor: Dr. Roberto Rocha Giraldez
As diretrizes das sociedades de cardiologia recomendam a administração precoce de clopidogrel após a admissão hospitalar por síndrome coronária aguda sem supradesnível do segmento ST (SCASST). Essa estratégia baseia-se em princípios relacionados à farmacologia do clopidogrel e em alguns estudos clínicos observacionais que parecem demonstrar vantagens do pré-tratamento antes do procedimento percutâneo. O atraso em um potencial procedimento cirúrgico de revascularização miocárdica e o risco aumentado de sangramento associados à administração precoce de clopidogrel, além de alguns estudos recentes que não demonstram o mesmo benefício de seu pré-tratamento, parecem colocar em dúvida esse conceito. Além disso, os novos agentes antiplaquetários mais eficazes tem perfil farmacológico distinto com rápido início de ação. O estudo ACCOAST (Comparison of Prasugrel at the Time of Percutaneous Coronary Intervention or as Pretreatment at the Time of Diagnosis in Patients with Non-ST-elevation Myocardial Infarction) comparou a administração precoce do inibidor do receptor P2Y12 prasugrel no momento do diagnóstico de SCASST à sua administração mais tardia no momento da intervenção coronária percutânea (ICP) após cinecoronariografia.
Esse estudo multicêntrico de fase 3, randomizado, duplo-cego e dirigido por eventos incluiu 4033 portadores de SCASST com troponina positiva e angiografia coronária a ser realizada entre 2 e 48 pós-randomização. Pacientes foram aleatoriamente selecionados para tratamento com prasugrel 30mg (dose de ataque) ou placebo (grupo controle). Se a ICP fosse indicada, uma dose adicional de 30mg seria administrada ao grupo pré-tratamento ou 60 mg no grupo placebo. Em caso de tratamento clínico ou indicação cirúrgica, os pacientes não receberiam prasugrel.
No estudo ACCOAST, angioplastia foi realizada em 68,7% dos pacientes, enquanto tratamento clínico e cirúrgico foi selecionado para 25,1% e 6,2% dos pacientes, respectivamente. O desfecho primário composto, morte cardiovascular, infarto do miocárdio, acidente vascular cerebral, revascularização de urgência ou resgate com GPIIb/IIIa aos 7 e 30 dias foi similar entre os grupos pré-tratamento e placebo (10,0% vs. 9,8%; P=0,812 e 10,8% vs. 10,8%; P=0,976, respectivamente). Ao contrário, as taxas de sangramento maior pelo critério TIMI foram quase duas vezes maiores no grupo pré-tratamento, tanto aos 7 dias (2,6% vs. 1,4%; P=0,006) quanto ao final de 30 dias (2,9% vs. 1.5%; P=0,002). Aos 7 dias, a incidência de sangramentos maiores ou que ameaçam a vida não relacionados a procedimento cirúrgico estavam aumentados 3 e 6 vezes, respectivamente (1,33% vs. 0,45%: P=0,003 e 0,83% vs. 0,15%; P=0,002), embora não tenha havido diferença em relação aos sangramentos fatais ou hemorragia intracraniana. Não se verificou qualquer diferença em relação aos subgrupos analisados.
Em conclusão, o estudo ACCOAST mostrou que em pacientes tratados invasivamente nas primeiras 48 horas pós-admissão, o pré-tratamento com prasugrel não reduziu a incidência de eventos isquêmicos aos 30 dias, mas aumentou as taxas de sangramento. Esses resultados, consistentes em pacientes submetidos a ICP, dão suporte ao tratamento com prasugrel somente no momento da definição da anatomia coronária. A partir do resultado desse estudo, é fundamental se reavaliar as estratégias que recomendam o pré-tratamento com agentes anticoagulantes em portadores de SCASST. É possível que a rápida abordagem atualmente oferecida a esses pacientes tenha exigências terapêuticas distintas de outras épocas em que os pacientes aguardavam por mais de 48 horas a "passivação" da placa aterosclerótica até que fossem submetidos a esttratificação invasiva.
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