A
manutenção do ácido acetilsalicílico (AAS) no período perioperatório de
cirurgias não cardíacas tem gerado muita controvérsia entre clínicos e
cirurgiões, uma vez que existem evidências robustas de diminuição da taxa de
trombose perioperatória e aumento dos sangramentos associado ao seu uso. Além
disso, é crescente a prevalência de pacientes submetidos à cirurgia não cardíaca
em uso de AAS, dando mais destaque à polêmica. O estudo POISE-2 avaliou a
eficácia e a segurança do AAS em reduzir eventos vasculares arteriais e venosos
no contexto da cirurgia não cardíaca.
Para
atingir este objetivo, o estudo POISE-2 incluiu 10010 pacientes em um ensaio
clínico randomizado, multicêntrico e placebo controlado realizado em 135
centros de 23 países do mundo. Os pacientes incluídos no estudo tinham idade
acima de 45 anos, indicação de cirurgia não cardíaca e algum risco de
complicação vascular. Dois estratos de pacientes foram criados: o estrato Início,
com pacientes virgens de tratamento com AAS (n=5628), e o estrato Continuação, em
que os pacientes já estavam em uso da medicação (n=4383). Os indivíduos foram randomizados
para se submeterem a cirurgias não cardíacas com AAS ou placebo. O AAS foi dado
na dose de 200mg pouco antes da cirurgia e mantido por 30 dias no grupo Início
ou administrado na dose de 100mg/dia por 7 dias no estrato Continuação. O
desfecho primário do estudo foi a combinação de morte e infarto (IAM) não fatal
em 30 dias. Foram desfechos secundários o composto de morte, IAM e acidente
vascular cerebral (AVC) e o composto de morte, IAM, AVC, embolia pulmonar (TEP)
e trombose venosa profunda (TVP). Como desfechos de segurança, foram comparadas
as taxas isoladas de insuficiência renal aguda (IRA) ou diálise, sangramentos
maiores e sangramentos ameaçadores à vida. Foram critérios de exclusão a presença
de stents convencionais há menos de 6 semanas da cirurgia, stents farmacológicos
há menos de 1 ano da cirurgia ou o uso de AAS há menos de 3 dias da cirurgia.
O
desfecho primário do estudo ocorreu em 7,0% dos pacientes no grupo AAS e 7,1%
no grupo placebo (RR 0,99; IC 95% 0,86-1,15; p=0,92). Em relação aos desfechos
secundários, o desfecho combinado de morte, IAM ou AVC ocorreu em 7,2 e 7,4%,
respectivamente (RR 0,98; IC 95% 0,85-1,13; p=0,80) e o de morte, IAM, AVC, TEP
e TVP em 8,0 e 8,1%, respectivamente (RR 0,99; IC 95% 0,86-1,14; p=0,90).
Nenhum dos desfechos de eficácia isoladamente teve incidência estatisticamente
diferente entre os dois grupos. Quando foram analisados os desfechos de
segurança, as taxas de IRA e diálise (0,7 vs.
0,4%; RR 1,75; IC 95% 1,00-3,09; p=0,05) e de sangramentos maiores (4,6 vs. 3,7%; RR 1,23; IC 95% 1,01-1,49;
p=0,04) foram maiores no grupo AAS. As taxas de sangramentos ameaçadores à vida
não mostraram diferença estatística entre os grupos (p=0,26). Em relação aos
dois estratos, não houve diferença significativa entre as taxas dos eventos
primários, secundários ou de segurança.
Assim,
o uso do AAS não preveniu a incidência de eventos vasculares ou reduziu a
mortalidade na cirurgia não cardíaca, mas aumentou significativamente a taxa de
sangramentos maiores, tanto nos pacientes em uso crônico de AAS quanto naqueles
que iniciaram a medicação no perioperatório. Com mais de 10 mil indivíduos,
englobando pacientes de risco para complicações vasculares e com, pelo menos,
um terço dos procedimentos sendo cirurgias ortopédicas, que sabidamente, são de
risco alto de trombose, os resultados negativos do ensaio clínico POISE são
bastante robustos e devem mudar a prática clínica. Deve ser lembrado que os
pacientes com indicação mandatória do AAS, como os pacientes com stents
implantados há pouco tempo, foram excluídos do estudo e continuam sob forte
risco sem a medicação. Por isto, a individualização da terapêutica, levando em
consideração os riscos do paciente e da cirurgia, com a troca de opiniões entre
clínicos e cirurgiões, ainda continua sendo a melhora alternativa para o menor
risco para o paciente.
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