Dra. Patrícia Guimarães
A cirurgia de revascularização miocárdica é frequentemente indicada para tratamento de pacientes com doença coronária multiarterial, entretanto, o dano miocárdico provocado pelo procedimento pode contribuir para morbimortalidade perioperatória. Dentre os mecanismos associados a injúria cardíaca atribuída a cirurgia de revascularização destacam-se: lesão de isquemia-reperfusão, resposta inflamatória exacerbada devido a circulação extra-corpórea e lesão direta ao miocárdio através da manipulação cardíaca. A lesão de isquemia-reperfusão, provocada pelo clampeamento intermitente da aorta e administração de solução cardioplégica, promove alterações metabólicas a nível mitocondrial associadas a estresse oxidativo, culminando em morte celular. O precondicionamento isquêmico (PI) vem sido extensamente estudado nos últimos anos como estratégia cardioprotetora nesse cenário, inicialmente em modelos animais com extensão posterior para estudos em humanos. O PI consiste na indução de episódios breves de isquemia e reperfusão nos membros superiores ou inferiores do indivíduo, antes de uma situação de isquemia e reperfusão prolongada, como é o caso da cirurgia cardíaca. Já foi demonstrado previamente que essa estratégia reduz o dano miocárdico perioperatório, no entanto evidências ainda não estavam disponíveis acerca do impacto do PI em desfechos clínicos.
O ERRICA foi um ensaio clínico multicêntrico, randomizado, controlado e duplo-cego, que teve como objetivo avaliar o efeito do precondicionamento isquêmico em desfechos cardiovasculares em pacientes de alto risco submetidos a cirurgia de revascularização miocárdica associada ou não a cirurgia valvar. Cerca de 1600 pacientes com EuroScore maior que 5 foram recrutados e randomizados para receberem a intervenção ou o procedimento fictício antes da cirurgia programada. No grupo intervenção, após indução anestésica, um esfigmomanômetro era colocado no membro superior do paciente, inflado até 200mmHg por 5 minutos e desinflado também por 5 minutos. Este ciclo era repetido 4 vezes no total. Caso a pressão arterial sistólica do indivíduo estivesse acima de 185mmHg, o aparelho seria inflado ao menos 15mmHg acima do valor obtido inicialmente. No grupo de procedimento fictício, a válvula de ar no esfigmomanômetro permanecia aberta no início, de maneira que o manguito se mantivesse desinsuflado, mesmo após apertar o bulbo do aparelho. Este era pressionado por 15 segundos para dar a impressão de que o manguito estava sendo insuflado e, após 5 minutos, a válvula de ar era fechada para simular uma desinsuflação. Este procedimento asseguraria o cegamento da equipe de anestesia, assim como de cirurgia. Apenas uma enfermeira em cada centro, responsável pela realização do procedimento, saberia para qual grupo cada paciente havia sido alocado.
Dentre os 1610 pacientes incluídos no estudo, cerca de 70% eram do sexo masculino, a idade media foi de 60 anos e o Euroscore médio foi de 6.6. Aproximadamente metade dos pacientes foram submetidos a cirurgia de ravascularização miocárdica associada a uma cirurgia de válvula. Após um seguimento de 1 ano, o desfecho primário do estudo, composto de morte cardiovascular, infarto do miocárdio não fatal, necessidade de nova revascularização ou AVC, ocorreu em 26.6% dos pacientes do grupo PI e 27.7% do grupo controle (HR 0.94, IC95% 0.78-1.14, p.=0.55). Entretanto, a área sobre a curva de troponina T em 72 horas, desfecho secundário do estudo, foi menor no grupo submetido a PI, quando comparado ao grupo controle (p=0.039).
Acreditava-se que o precondicionamento isquêmico, por ser não invasivo e não acarretar custos adicionais, seria uma boa estratégia para cardioproteção em pacientes submetidos a cirurgia cardíaca. Entretanto, uma repercussão em desfechos clínicos não foi encontrada neste estudo de grande porte. Outros ensaios clínicos estão em andamento para avaliar populações diferentes, como por exemplo, pacientes submetidos a transplante cardíaco, com o potencial de gerar novas evidências e recomendações.
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