Dr. Roberto Rocha Giraldez
A doença arterial coronária (DAC) é a principal causa de morbimortalidade entre os pacientes diabéticos. Muitas vezes, no entanto, essa doença é assintomática e os pacientes apresentam infarto do miocárdio (IM) ou morte como primeira manifestação de DAC. Esse comportamento silencioso pode justificar uma abordagem não-invasiva mais agressiva por angiotomografia (angioCT) coronária com o objetivo de se avaliar a extensão e gravidade da aterosclerose vascular, permitindo adequar-se o tratamento preventivo. As tentativas prévias de estratificação de risco em diabéticos assintomáticos foram limitadas a exames não-invasivos com sensibilidade e especificidade limitadas e capazes exclusivamente de detectar isquemia miocárdica que não permitem uma abordagem mais estruturada no combate à doença. O objetivo do estudo FACTOR-64 foi verificar se a avaliação rotineira de DAC por angioCT coronária em diabéticos de alto risco sem sintomas ou sinais da doença seguida de terapia dirigida pela angioCT reduziria o risco cardiovascular.
O estudo FACTOR-64 randomizou 900 portadores de diabetes tipo 1 ou tipo 2 para terapia preventiva padrão ou agressiva dirigida pela angioCT coronária ou tratamento padrão para o cuidado do diabetes. O estudo incluiu homens ≥ 50 anos com, pelo menos, 3 anos de evolução de diabetes ou ≥ 40 anos com 5 anos da doença. Entre as mulheres, as idades de corte foram 55 e 45 anos, respectivamente. Os pacientes deveriam ter, pelo menos, 1 ano de tratamento antidiabético. O estudo excluiu pacientes com doença cardiovascular estabelecida. A partir do resultado da angioCT de coronárias, os pacientes foram divididos em 4 grupos:
• Estenose grave - estenose proximal ≥ 70% em, pelo menos, uma artéria coronária com recomendação de submeter-se a cinecoronariografia diagnóstica;
• Estenose moderada - qualquer estenose entre 50 e 70% ou escore de cálcio > 100 com indicação de teste provocador de isquemia e cinecoronariografia, se necessário;
• Estenose leve - estenose entre 10 e 50% ou escore de cálcio entre 10 e 100;
• Normal - estenose < 10% ou escore ≤ 10.
O tratamento padrão para o diabetes foi empregado no grupo controle e em pacientes com coronárias normais à angioCT . Os alvos terapêuticos para esse grupo eram HbA1c < 7,0%, LDL-c < 100mg/dL e PA sistólica < 130mmHg. O tratamento agressivo foi empregado nos pacientes com qualquer DAC documentada à angioCT. Nesse caso, os pacientes recebiam recomendações dietéticas e de exercício e os alvos terapêuticos eram: HbA1c < 6,0%, LDL-c < 70mg/dL, HDL-c > 50mg/dL, triglicérides < 150mg/dL e PA sistólica < 130mmHg. O desfecho primário do estudo FACTOR-64 foi composto de mortalidade por todas as causas, infarto do miocárdio não-fatal ou hospitalização por angina instável. Diversas metas secundárias também foram analisadas.
A idade média dos pacientes foi de 61,5 anos. Pouco mais da metade dos pacientes era do sexo masculino e quase 90% apresentavam diabetes tipo 1 com duração média de 13 anos. Cerca de 40% dos pacientes usava insulina isoladamente ou em conjunto com antidiabéticos orais. A HbA1c e LDL-c médios eram 7,5% e 87mg/dL, respectivamente. Os escores de cálcio encontrados na população foram 35,6% entre 0 e 10, 23,7% entre 10 e 100 e 40,7% > 100. Em relação à estenose coronária, os valores foram de 31,3% com coronárias normais, 46,1% com lesões leves, 11,9% com estenoses moderadas e 10,7% com graves. A partir desses resultados, 29,9% dos pacientes no grupo angioCT receberam tratamento padrão e os restantes tratamento agressivo. No grupo angioCT, um número maior de pacientes foi submetido a testes provocadores de isquemia (29,4% vs. 19,9%) e cinecoronariografia (13,3% vs. 5,1%) com intervenção percutânea (6,0% vs. 1,8%) e revascularização miocárdica (2,9% vs. 1,3%) em relação ao grupo conservador. A despeito de um controle mais adequado dos fatores de risco no grupo submetido a angioCT coronária, a meta primária foi alcançada por 7,6% (1,9% aa) no grupo conservador ou controle e 6,2% (1,6% aa) no grupo tomografia (HR 0,80; IC95% 0,49-1,32: P=0,38) ao final de 4 anos de seguimento. Nenhum desfecho secundário ou componente da meta primária mostrou diferença entre os grupos, exceto por internações por insuficiência cardíaca (2,2% vs. 0,7%; HR 0,26; IC95% 0,07-0,94; P=0,04).
Em conclusão, em pacientes assintomáticos com diabetes tipo 1 ou tipo 2, a avaliação de DAC por angioCT de coronárias não reduziu a incidência do desfecho primário mortalidade por todas as causas, infarto do miocárdio não-fatal ou hospitalização por angina instável a despeito de um controle mais adequado de fatores de risco e do uso de mais procedimentos. Esses achados não dão suporte ao uso rotineiro de angioCT de coronárias nesse grupo de pacientes. Não se deve desconsiderar, no entanto, que as meta estabelecida no estudo FACTOR-64 de redução de 40% dos desfechos clínicos foi bastante ambiciosa. O desenvolvimento de um estudo dirigido por eventos, uma vez que a taxa de complicações foi muito baixa nesse estudo (<2% aa), poderia certamente demonstrar um resultado mais favorável à abordagem mais agressiva.
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